Por Luciana Montenegro Valente*
Edição No. 67
*Código Florestal*
Já relatei aqui na Coluna do Meio, em edições anteriores, a luta dos
moradores do bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus, para a preservação do
Parque Estadual Samaúma (que tem cerca de 60 ha de área, ou seja é do
tamanho de 60 campos de futebol de dimensões oficiais), contra a sua
transposição pela Avenida das Torres, obra do Governo do Estado do Amazonas.
No último dia 10/02, houve reunião do Conselho Gestor do Parque, e a ONG
local IECAM – Instituto Ecológico e Comunitário da Amazônia, demonstrando o
seu protagonismo nessa luta, convidou instituições que não fazem parte do
Conselho para estarem presentes e observarem a pauta que tratou justamente
da Avenida das Torres. Fui à reunião, designada pelo Procurador-Chefe do
MPF.
É grande a contradição ao constatar que o executor da obra é o mesmo gestor
do parque – Estado do Amazonas, e que esta é a única unidade de conservação
de proteção integral pertencente ao Estado localizada na área urbana de
Manaus. Também, o Parque recebe investimentos através do Convênio de
Compensação Ambiental do gasoduto Coari-Manaus, que neste ano de 2010
(conforme informações do próprio Centro Estadual de Unidades de Conservação
– CEUC/SDS, também órgão do Governo do Estado, presente à reunião), deve
repassar R$ 21 milhões para serem investidos em 17 UCs em todo o Estado,
incluindo o Samaúma.
Como advogar a destruição e ao mesmo tempo a recepção de recursos
financeiros para a preservação do Parque Samaúma?
Logo no início da reunião, no entanto, boa notícia: a SEINF (Secretaria
Estadual de Infra-Estrutura, órgão responsável pela obra), depois de três
anos de incerteza, “prometeu” que o Estado irá finalmente modificar o
traçado da Avenida das Torres para que o mesmo não adentre mais na área do
parque, e sim encaixe na Av. Timbiras (via já existente), compatibilizando
assim a inegável necessidade do trânsito e a manutenção da unidade de
conservação. A concretização dessa promessa depende ainda, conforme a SEINF,
da adesão dos órgãos municipais de trânsito e transporte urbano (IMTRANS e
IMTU) e da autorização do Governador.
Importante salientar que o engenheiro que representou a SEINF confessou que
o traçado original da Avenida das Torres – que cortava o Parque Samaúma –
havia sido elaborado com base apenas em aerofotometria (fotos aéreas), sem
nenhum estudo de campo para identificar possíveis obstáculos à obra. Levava
em conta, simplesmente, que a avenida deveria em todo o seu trajeto
acompanhar as torres de transmissão de energia elétrica (daí o nome “Avenida
das Torres”), não importando o que houvesse no seu caminho.
Ao ouvir isso, de novo não pude deixar de pensar em Avatar, nas falas dos
empresários que exploravam Pandora: “*são apenas árvores... se eles não se
moverem do nosso caminho, nós os moveremos – referindo-se aos Na´vi … aqui
em Pandora, não se pode jogar um graveto para o alto que já pousa sobre
alguma árvore sagrada..., etc*”.
Os Na´vi, neste caso, mais uma vez são os moradores de Manaus, nós mesmos,
representados pelo IECAM que não é formado por “ambientalistas”, cientistas
nem especialistas, mas sim por professores, donas de casa, profissionais
liberais, estudantes, enfim, “pessoas comuns” mas que fizeram uma enorme
diferença... impediram a destruição do Parque Samaúma!
Conforme o presidente do IECAM “*a causa do Parque Samaúma é um laboratório
do exercício da cidadania*”. Na reunião, distribuíram folheto do manifesto “
*Avenidas das Torres SIM! Por dentro do Parque NÃO!*” e mais uma vez
desmistificaram o falso argumento preconceituoso de que “quem luta pelo meio
ambiente é contra o progresso”.
O que se viu ali foram moradores, pessoas comuns, exigindo exatamente o
progresso, o desenvolvimento, mas aquele includente e que não agride a
qualidade de vida. Reivindicaram que o Parque Samaúma se torne um espaço de
educação ambiental, a implantação de um laboratório para servir aos
estudantes e visitantes, a sinalização de trilhas interpretativas, a
capacitação de moradores para servirem de guias e outras medidas necessárias
para que o parque atinja seu potencial enquanto unidade de conservação
dentro de uma área urbana.
Estão certos os comunitários ao afirmarem que o Parque Samaúma “é um
fragmento florestal que restou do avanço urbano”, é um repositório de
qualidade de vida e de espécies da biodiversidade que tem interesse
econômico, turístico e social, como por exemplo as plantas medicinais que
crescem ali, e citaram o Marupá – remédio contra a malária que já foi
patenteado pelos EUA.
Enfim o exemplo do Parque Samaúma é só mais um em Manaus, temos outros como
o SOS Encontro das Águas – movimento que luta contra a implantação de um
porto privado no Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimoes (que ali
formam o Rio Amazonas). Mas esses exemplos são poucos ainda. Não são comuns
os movimentos organizados de forma espontânea, pela população, com a
população e para a população, não contaminados por interesses
políticos/eleitorais ou empresariais/comerciais.
Precisamos escrever sobre esses exemplos, estudá-los, fomentá-los e
multiplicá-los, pois em cada esquina de Manaus há uma causa socioambiental
precisando de quem a abrace. Qual é a causa da sua rua, do seu bairro, da
sua escola?
**Luciana Montenegro Valente é advogada, especialista em Direito Ambiental
pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Unb – Universidade de
Brasília, mestre em Direito Ambiental pela Pace University, de Nova Iorque,
e servidora do Ministério Público Federal. Escreve para a "Coluna do Meio",
do Blog do Bentes, às segundas-feiras, e para o Blog do NUMAS – Núcleo
Marina Silva, de Manaus, às terças-feiras.*
FONTE: http://groups.google.com/group/blogdobentes/browse_thread/thread/ca2127e2b38c00c6
